Comecei 2020 desenhando mais uma coleção de moda autoral: podemos chamá-la de cartas para leo (Leonilson) ou O corpo como janela para o(mar). Estava (e continuo nessa busca) muito interessada em pensar a potência do corpo feminino, nossas ancestralidades, traços, cicatrizes, memórias que esculpem os traços que nos compõem. O corpo como casa, como caderno, como tela em branco. O corpo como terra, árida ou adubada, a depender dos ciclos da lua e das marés. Inicialmente, o nosso plano era lançar, como fazemos desde 2017, no Dragão Fashion Brasil 2020. Leonilson, artista cearense, que tanto me afeta, me fala (apaixonadamente) sobre essas questões. Gosto de criar escrevendo cartas para um interlocutor, ir aprendendo com as suas possíveis respostas, até ir me despedindo dele, lentamente. Como nos disse Rilke: "criação, a pátria do dizível".
A minha relação com a criação também é toda permeada pela relação com a cidade. Fortaleza, minha cidade natal, sempre recebe uma atenção especial. Porém, todas as que já tive o prazer de caminhar, se entrelaçam nos croquis e nos escritos daquilo que crio. Quixeramobim, Paraty, Bogotá, Paris, Amsterdam, São Paulo.. Ah! Que vontade de andar por aí! Essa semana foi mais difícil. Percebi que desenhei pouca roupa nessa quarentena. A vontade de desenhar novamente está começando a voltar. Será a saudade do caminhar por aí? Andar instiga o meu processo, contar os passos, capturar os instantes do vivido ao cruzar as esquinas, os postes, as diferenças de luzes escondidas na bagunça das construções que amarrotam a cena urbana.
Decidi não mais contar há quantos dias estou em casa. 4 meses ou 120 dias ou 20 semanas? Gesto o tempo como experimento estético, heroicamente mudamos a decoração da casa a cada lampejo que nos perpassa, construímos uma calçada na varanda, acabamos e iniciamos e acabamos livros. O medo vem e vai. A esperança no esperar e cantar dá o tom da coleção de moda autoral que hoje resolvi compartilhar digitalmente no formato de portfólio pensando o #dfb2020. Quando as roupas ficarão prontas? Como será o lançamento? Ainda elaborando, dia após dia, com calma e escuta atenta aos processos intuitivos, os detalhes de nossa produção (que como sempre seguirá o conceito do design sob demanda), o processo da escolha final dos materiais, a data em que as roupas poderão chegar até vocês, até nós. O futuro ficou no passado, o que a gente quer saber mesmo é do agora.
O encontro com o artista cearense Leonilson me ensina
que a vida é ethos criativo, experimento de corpo.
É isso que desejo quando desenho minhas peças:
que as mulheres sintam que tecido é pele potente
e que ética e estética precisam viver entrançados.
É preciso atravessar a janela.
A atividade criadora move a vida em nós. Dá voz ao que lateja em nosso íntimo.
Renata Santiago
Fortaleza, 12 de Julho de 2020.
16:48
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