A psicanálise é um método de investigação teórico criada por Sigmund Freud no início do século XX em um contexto histórico peculiar: a consolidação da modernidade. Época em que a autonomia e a liberdade do indivíduo eram valorizadas, onde cada um passou a ter a responsabilidade de criar o seu próprio destino e imagem. Constituindo uma teoria da personalidade que retrata estruturas mentais a psicanálise busca estudar o comportamento humano por meio de questões fundamentais como a sexualidade, o inconsciente, o desejo, a castração.
Aspectos como a cultura e a sexualidade são essenciais para o entendimento dos fundamentos psicanalíticos. Utilizando a fala como meio, principal recurso também utilizado na consultoria de imagem, se propõe a verificar os discursos do sujeito através das manifestações do inconsciente, visto como a instância que contém aspectos ocultos ao consciente, mas influenciadores de todo o resto, manifestados nos sonhos, chistes, esquecimento e atos falhos.
Levantamos e trabalhamos neste escrito e em nossa metodologia de trabalho, a manifestação de conteúdo do inconsciente também no ato de vestir. Somos movidos pelo nosso desejo e não devemos aceder a ele, e é a isso que a ética da Psicanálise nos busca referenciar.
Para a psicanálise, o nosso corpo é pulsional, ou seja, busca tanto satisfazer suas necessidades fisiológicas como obter prazer através do toque, do olhar e do desejo do Outro. Temos um ego antes de tudo corporal (FREUD, 1905), um corpo simbólico, pertencente à linguagem, e entender esse corpo é fundamental para a constituição da subjetividade.
A mulher retratada por Freud é dita “inacabada”, pois lhe falta algo: o falo. Desta forma, o que significaria ser mulher? Ou melhor, tornar-se mulher? Saibamos que o falo está diretamente ligado à atividade e ao masculino, fazendo, por exemplo, com que seja muitas vezes procurado pelas mulheres no amor, representado como uma forma narcísica de sexualidade, colocando a mulher no centro do olhar do outro.
Para Miranda, “o lugar ocupado pelo falo no desejo feminino é o lugar do inapreensível, do desejo enquanto falta.” e nos acrescenta que “para desejar, é preciso que haja aceitação da falta” (p. 79-80).
“Se o falo se encarna no que falta à imagem, uma mulher será o falo para um homem na medida da castração que lhe é atribuída, já que se trata da falta que origina tudo o que constituirá a relação do homem com o objeto de desejo. O falo como significante, todavia, não apenas marca, mas também recobre a falta. Assim, o corpo da mulher marcado pela falta é erigido pelos adornos ostentados por ela: sua voz, seu perfume, suas joias, suas roupas, sua graça etc. Os adornos de que as mulheres se valem são maneiras de, perversamente, denegar a falta, elevando o corpo feminino a símbolo do desejo e constituindo, assim, o mito da Mulher que não existe”.
Como um exemplo clínico do que afirmamos acima, vejamos esta passagem do conto “Uma mãe chiquérrima” que se encontra no livro Dispa-me! (ótima referência para enveredar pelo olhar psicanalítico diante as roupas).
“A mãe eternamente jovem que se recusa a envelhecer não cede o lugar à filha, em geral precocemente transformada em mulher, na qual busca se reconhecer. O eterno recomeço do mesmo, fantasia narcísica, permite resistir às devastações do tempo. A diferença das gerações apaga-se para deixar lado a lado duas mulheres exageradamente cúmplices, que por esse viés desafogam seus sentimentos de rivalidade. As meninas têm, aliás, grande dificuldade para sair dessa situação, o que apresenta a vantagem de preservar um laço muito forte com a mãe, evitando-se a rivalidade, mas também retarda o trabalho de separação e individuação necessário à adolescência”. (Stein e Joubert, 2007, p.155)
Percebemos que a roupa conserva a lembrança do que somos, testemunhando o olhar do outro sobre nós mesmos, marca as pegadas de nosso caminho, “a roupa ergue-se então contra o tempo e o esquecimento” (Stein e Joubert, 2007, p.157). Assim, o vestir é sempre um recomeço na medida em que seu ato pressupõe ação de escolha, sentenciando nossos desejos, caminhos, sonhos, medos e aspirações na costura entre tempo, espaço e memória.
Todos já nascemos marcados por uma consultora de imagem e estilo, a mais importante de todas, nossas mães. Quando relacionada por um dos meandros da teoria psicanalítica, a moda pode ser analisada como uma função psicológica “toda poderosa”, que exerce tanto a função paterna quanto materna, oferecendo um leque de imitações, leis, regras e autoridades que auxiliam na estabilização da identificação feminina. Atua como uma mãe sedutora (Coelho, 1996) como se dissesse para a mulher o que tem de ser feito a envolvendo em uma atmosfera de “excitação, prazer, completude e aprisionamento”.
São diversos os caminhos em que o sujeito pode utilizar o seu vestir como mostruário de seu desenvolvimento, de suas procuras e emoções. Quais você tem percorrido?
Renata Santiago
Fortaleza, 28 de junho de 2020
18:18
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