Semana passada vimos em sala de aula as dimensões (Lobach) de um produto de vestuário: há a semântica, a sintática, a pragmática e a material. Falamos também sobre semiótica e aquilo que Barthes nos aponta sobre os códigos do vestuário: há o vestuário imagem (o icônico), o vestuário linguagem (a palavra) e o vestuário real (a tecnologia da confecção). Percebe-se que as art-iculações de sentido, olhar lançado e as prioridades que tecemos nesse ato de construção geram as mais variadas camadas de histórias e formas nos nossos corpos. A roupa nos recebe: recebe nosso suor, nosso cheiro; recebe até mesmo nossa forma, ou melhor, ela in(forma). Na moda autoral, há o essencial e arriscado ato de se projetar a subjetividade do criador em cada uma de suas peças - sendo “a sua moda” não só uma produção artística, mas a produção psíquica de sua personalidade, uma forma de expressão e de colocar-se no mundo. A moda está imersa no campo simbólico e o designer é um fazedor de relações, organizando e dando estrutura a significantes. Nesse sentido, a roupa é fronteira entre tu e o mundo, é potência, aquilo que está prenhe de sentido. É memória que resiste até mesmo à história dos nossos corpos, elas continuarão ali mesmo quando nós mesmos já não estamos, local e santuário, onde as relações sociais são materializadas. Corpor-ificadas. A costura é uma sutura? Laço entre o real, o simbólico e o imaginário? Fluxo entre o visível e o invisível? Quando me vejo ladeada por perguntas, só há um recurso: a poesia. Lembro então de Carlos Drummond de Andrade: “a ausência é um estar em mim”. As roupas são essas ausências que se mostram para que a gente possa ser? Qual o seu tema? O meu é esse deambu-lar, a memória do corpo e a sua tradução no espaço/tempo. Ser um ves(tido) litoral para se colocar em outros corpos. Falar aquilo que até tento, mas não consigo escrever apenas por palavras.
Renata Santiago
Fortaleza, 30 de Agosto de 2020