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  • Foto do escritorModaparamim

A lua é uma cidade invisível



Desde a lua cheia passada (em sagitário), ou melhor dizendo (e sendo bem sincera), desde tempos imemoráveis, que exercito um dos maiores desafios para mim, artista-designer que transita no eixo áries-leão-gêmeos, dentre tantos outros complexos predicados, claro, que não cabem (exatamente) agora. Sentir e não ver. Não ver e sentir. Confiar no dilema romântico de Saint-Exupéry: "o essencial é invisível aos olhos, tu não deves esquecer." Confiar nos mistérios do tempo. Saber que a lua está ali bem em cima do meu quarto e que mergulha aqui dentro de mim, nova, crescente, balsâmica, seja como for. Ela está aqui como uma cidade que troca de memória em todos os solstícios e equinócios.


Acho potente quando Ailton Krenak nos aponta que uma das suas ideias para adiar o fim do mundo é cantar, dançar e viver a experiência mágica de suspender o céu, "suspender o céu é ampliar nosso horizonte; não o horizonte prospectivo, mas um existencial. É enriquecer as nossas subjetividades, que é a matéria que este tempo que nós vivemos quer consumir".


Assim como a lua, a memória também é uma cidade invisível, território que excede continente físico, e que se aninha em cada pedaço do corpo, que respira tentando compreender e tatear a nova realidade que nos habita.


Revisitando e tateando pois, hoje mais cedo, cidades invisíveis de Ítalo Calvino me deparo com Lalage, uma cidade de pináculos tênues, feitas de modo que a lua em sua viagem possa pousar ora num pináculo ora noutro ou oscilar pendurada nos cabos dos guindastes. Nela, a lua permite a cada coisa da cidade crescer e recrescer indefinidamente.


" - Há algo que você não sabe - acrescentou o Khan. - Agradecida, a lua concedeu à cidade de Lalage um privilégio ainda mais raro: crescer com leveza."


A Lua movimenta as águas do mundo, gera vida.

Corre feito menino quando desce para brincar pelas escadas.

A Lua somos nós, sonho e ancestralidade.

Lua-uterina, barriga e memória do mundo.


A lua, assim como a experiência de nossa própria análise, nos ensina que o passado do viajante muda de acordo com o itinerário realizado.


Qual é a linha que separa a parte de dentro da de fora, o estampido das rodas do uivo dos lobos? Concordo com Calvino: "cada pessoa tem em mente uma cidade feita exclusivamente de diferenças, uma cidade sem figuras e sem forma, preenchida pelas cidades particulares".


A memória sempre é redundante, repete os símbolos para que a cidade comece a existir. Pois bem, olho para o céu, suspiro e decido a partir de hoje habitar Lalage, na rua do mar, esquina com a rua do estar aqui, paralela à avenida amor fati. Vamos?


Renata Santiago

19:03

Fortaleza, 21 de junho de 2020.

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